terça-feira, 21 de junho de 2011

Machado de Assis - Um mestre da Leitura

“Todo artista aspira a ser lido, mesmo, quando sabia que ia contra o horizonte de expectativas de seu próprio leitor comum e atual...”
Em Contos Fluminense obra em que Machado de Assis, trata o leitor com deferência e educação. O Conto de abertura do livro “Miss Dollar”, trás o leitor para dentro do texto já na primeira linha.
"Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber quem era Miss Dollar." (p. 27)
Seguem se considerações sobre os deveres de um narrador, que desembocam em elogios à objetividade, economia e racionalidade de recursos narrativos
"(...) sem a apresentação de Miss Dollar, seria o autor obrigado a longas digressões, que encheriam o papel sem adiantar a ação. Não há hesitação possível: vou apresentar-lhes Miss Dollar: (...) "(p. 27)

O narrador entrega se à volúpia de imaginar diferentes e variados tipos de leitores, cujas, previsões sobre a identidade da personagem titulo ele antecipa e desmente, valendo da autoridade narrativa

"(...) uma inglesa pálida e delgada, escassa de carnes e de sangue (...) " (p. 27)

O narrador de Miss Dollar dispõe se uma galeria inesgotável de leitores personagens que faz desfilar pelo texto.

"Miss Dollar quer dizer apenas que a rapariga é rica. " (p. 28)

É só depois dessa multiplicação de leitores imaginários, o autor cumpre sua promessa e desvela a identidade de Miss Dollar:

"A Miss Dollar do romance não é a menina romântica, nem a mulher robusta, nem a velha literata, nem a brasileira rica (...) Miss Dollar é uma cadelinha galga."  (p. 28)

E essa assídua convocação do leitor prossegue pelo resto do conto. O narrador qualifica com freqüência o leitor de quem e com quem fala. E mesmo assim Machado de Assis orquestra e embaralha os fios da ficção e da realidade, transformando leitores em personagens, tematizando e encenando os caminhos do envolvimento do leitor com a matéria narrada.
Essa metalinguagem constante guarda nas suas entrelinhas a ironia implacável que alguns anos depois cairão com indiferença sobre a cabeça dos leitores de Brás Cubas. O fato é que depois de tantas convocações para o interior de um texto, o leitor brasileiro do século passado, que teve sob os olhos essa “Miss Dollar”, estava pelas mãos seguríssímas do narrador machadiano educando se na Leitura Literária.
A constância da metalinguagem através da qual Machado, a pretexto de seus leitores, mas, sobretudo para eles tematiza o ato de leitura em curso inscreve no texto uma espécie de pedagogia da leitura, que não destoa do contexto brasileiro das ultimas décadas do século passado, quando o necessário fortalecimento do sistema cultural era bandeira assumida por todos os intelectuais. E é entre esses intelectuais que o politicamente discreto Machado na pele do colaborador da imprensa carioca milita em prol das letras nacionais! Esse mesmo Machado reconhece em 1858, o gigantismo e a complexidade da cultura nacional. Continuando atento em 1866, documenta a pobreza da infra-estrutura disponível para o desempenho das letras do segundo império.
Em 1985, Machado de Assis, mestre e patrono das letras brasileiras continua acompanhando gestos e rituais que selam o destino das letras e a falta de leitura no Brasil.
Retornando a Miss Dollar, observam se como os modos da escrita e  da leitura literária se representa na descrição, mulato, gago, epilético, pobre e autodidata e que não dominou o panorama letrado brasileiro na segunda metade do século XIX, e até sua morte em 1908.
No conto o responsável público na figura do leitor e da leitora, é frequentemente convocado para o texto, num diálogo narrador-leitor. É como se a ficção de Machado textualizasse o que a critica e a crônica tematizam. O texto é encenado literariamente pela via da metalinguagem que desvela não só o projeto de uma escrita literária, mas, também seu reverso e uma historicidade, qual seja, a necessária educação de leitores que dêem cota de tal escrita.

Referência:
DO MUNDO DA LEITURA PARA A LEITURA DO MUNDO
Autora: Marisa Lajolo Capitulo I – A Leitura Literária na Escola
Editora Ática

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